Meu privilégio
Desde muito cedo na vida tive compreensão do racismo no Brasil como força velada organizando a sociedade brasileira.
Criança, lembro das relações complexas e tensas acerca da cor da pele dos outros nos contatos familiares e sociais.
Lembro de comentários racistas da minha avó sendo repreendidos pelos olhares do meu avô. Lembro de palavras racistas do meu outro avô. De piadas. De risos entre brincadeiras infantis.
Lembro de reclamar de expressões usadas por minha mãe que me interpelava bravamente com a lembrança de que eu fora amamentado por uma mulher negra. Como poderia ela ter dito algo de cunho racista se ela própria permitiu que seu bebê sorvesse o leite de um seio preto de uma mulher da vizinhança, pois ela não o tinha?
Lembro dos poucos amiguinhos negros na escola. De alguns amigos da rua. Das desproporcionais famílias negras vizinhas. E dos raros colegas de faculdade. Dos raríssimos contatos profissionais.
E jamais, nunca, um cliente. Nunca fui pago por um contratante negro como profissional “liberal”.
Se minha origem popular me permitiu vê-los, eles desapareceram na medida que conquistei uma mobilidade social para a classe média. Não existem onde moro hoje no Rio. Meus filhos têm muito menos amiguinhos pretos do que eu e meu irmão tivemos.
Se recebi educação formal que meus pais não tiveram, perdi no caminho um contato com a diversidade que deveria ser marcar da brasilidade sempre celebrada.
Hoje não sou religioso, mas tenho total certeza de que a formação católica que recebi em casa e na escola, por meio de seu substrato amoroso, que me fizeram sentir, refletir e agir sobre isso. Hoje sei que esse…